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A explosão que se pode aguardar da cantora Janelle Monáe durante os shows que fará no Brasil este mês, abrindo as apresentações da britânica Amy Winehouse, remete aos grandes momentos e personagens da dança americana. Além de ter uma voz potente, a cantora é ágil, leve e de passos marcantes. A tradição a que ela se filia, ao menos neste início de carreira, não é aquela dos megaespetáculos, das coreografias ultraensaiadas em que um time de bailarinos dá apoio à estrela – que tanto pode ser Madonna quanto Justin Timberlake ou Beyoncé. Trata-se, antes, da tradição que nasceu com os escravos americanos e os espetáculos de menestréis, combina James Brown com Fred Astaire e tem em seu coração o improviso (ou ao menos a ilusão do improviso).

Juba e Jig – Os escravos americanos cultivaram alguns estilos específicos de dança, como a Juba, que consistia em rebolado, batidas rítmicas das mãos no corpo e uma mistura de saltos e arrastar de pés. Na década de 1840, essa dança se tornou conhecida graças às apresentações de William Henry Lane, ou Mestre Juba, um dos primeiros negros a subir num palco para as plateias brancas dos Estados Unidos.

Lane foi e continuou sendo uma exceção. Não foram artistas negros os principais responsáveis pela popularização das danças de escravos, mas sim os menestréis – artistas brancos que cantavam e dançavam com o rosto pintado de preto, além de apresentarem esquetes cômicos, em espetáculos que acabaram se tornando uma forma dominante de entretenimento nos Estados Unidos do século XIX. Nesses shows, contudo, teve início também uma mistura de tradições. Uniram-se à receita negra estilos vindos da Europa, como o jig e a dança com tamancos. Segundo os historiadores da cultura popular, essa combinação está na raiz do sapateado americano.

A arte do entertainer – Mais importante do que a genealogia dos estilos, porém, é observar como a dança, desde o século XIX, se tornou um elemento central da maneira americana de fazer shows. Não há “entertainer” americano que não saiba dançar. Ou melhor, saber dançar é condição para que alguém possa ser chamado de “entertainer”. A questão é quanto um artista é apenas um intérprete – ainda que virtuoso – das coreografias criadas por algum especialista, ou um dançarino disposto a admitir alguma dose de improviso em suas apresentações, bebendo ele mesmo da tradição ou das inovações das ruas e clubes.

O caso de Michael Jackson é emblemático. Seu estouro nos anos 80 não se deveu somente às músicas, mas à maneira como ele dançava. Jackson, na época, era um frequentador assíduo de clubes e estava atento ao que acontecia nas ruas – sobreturo ao break, dançado por membros do movimento hip hop de Nova York desde os anos 1960. O moonwalk, passo que ele imortalizou, vinha dos anos 30, quando o cantor Cab Calloway ensaiava as primeiras “caminhadas na lua”, e foi redescoberto por Michael Jackson em 1980 num parque da Flórida – onde ele encontrou o dançarino Jeffrey Daniel, que o praticava sob o nome de backsliding. Com o tempo, contudo, Jackson engessou sua dança em um conjunto de movimentos sempre repetidos e aderiu ao tipo de mega-espetáculo coreografado até as últimas minúcias que é hoje padrão para grandes estrelas como Madonna, Beyoncé ou Rihanna.

Diante disso, é o caso de citar as considerações do ensaísta americano Joseph Epstein que se referiu ironicamente a Fred Astaire, o maior dançarino de todos os tempos, como uma fraude, “pois ninguém trabalhava mais duro do que ele para fazer as coisas parecerem fáceis. Mas esse tipo de fraude está no centro da arte – é possível, aliás, que lhe seja intrínseca”.

Uma renovação – Janelle Monáe – talvez porque ainda seja uma estreante – retoma a tradição do dançarino que é dono do seu próprio corpo. Faz pensar no primeiro Michael Jackson, em Prince, em James Brown. Faz pensar até mesmo em Sammy Davis Jr. E desse retorno ao passado ela traz, paradoxalmente, uma lufada de renovação. Usando passos de danças de rua como o break ou clássicas como o sapateado e o swing, a cantora é um resgate sem arestas do que melhor produziu a dança americana moderna. A interpretação que dá a cada canção faz do seu show um pequeno espetáculo teatral.

Vê-se Janelle deslizando no palco como faziam Astaire, guardadas as devidas proporções, ou Michael Jackson com seu moonwalking, e nada parece mais fácil, leve, gracioso e reverente aos melhores referenciais da manifestação cultural que uniu de escravos negros a senhores ingleses.

Para quem não conhece o trabalho da Janelle, assistam o clipe com seu mais novo trabalho.

Não seria mais interessante se cada cantor ou cantora pudesse se destacar por si só sem serem comparados a Michael Jackson? Que perturbação!!!

Lyllyan e Eliete Jackson

Fonte: Veja e Clica Piaui